Ex-secretário de Turismo de Canela é preso preventivamente
O ex-secretário de Turismo de Canela, Ângelo Sanches, foi preso preventivamente na manhã desta quarta-feira (14) na 10ª fase da Operação Caritas. Segundo a Polícia Civil, ele é suspeito de participar de um esquema em que pessoas se apropriavam de parte dos recursos de grandes eventos na cidade.
— Destas três pessoas que estão sendo presas hoje, uma foi ex-secretário de Turismo, que já não está mais exercendo as funções e outros dois são empresários ligados ao ramo de eventos na cidade — disse o delegado regional da Polícia Civil, Heliomar Franco.
A polícia não divulgou os nomes dos presos, mas a reportagem apurou que o ex-agente público é Sanches. Ele foi preso na casa em que mora em Canela. O advogado Ricardo Cantergi, que o representa, disse que “não teve acesso ainda aos motivos que levaram o juiz a prender preventivamente Ângelo Sanches. Ele está afastado da prefeitura há mais de um ano, cumprindo com o afastamento imposto em meados de novembro de 2021.” Que “essa nova prisão é uma surpresa para a todos.” E que terão que averiguar se há necessidade e contemporaneidade nos fatos discutidos.
— Acreditamos na justiça. Nos colocamos a disposição para auxiliar no que for preciso. Ângelo é inocente e provaremos isso durante a instrução processual — declara o advogado.
Os empresários presos são José Fernando Marques e Elias Davi da Rosa. O advogado deles Jair Da Veiga Filho, informou que está aguardando o acesso ao processo, o qual já foi solicitado. Disse que, após, vai realizar pedido de revogação de prisão preventiva, aguardar a realização da audiência de custódia e posterior decisão do juiz. Veiga Filho falou que em conversa com os clientes eles demonstraram tranquilidade, disseram que se consideram inocentes e que irão comprovar a inocência no decorrer do processo.
Outros três servidores públicos que ocupam cargos de confiança (CCs) lotados na Secretaria Municipal de Turismo foram afastados cautelarmente das funções por 120 dias.
De acordo com o Delegado Vladimir Medeiros, titular da Delegacia de Polícia Civil de Canela e responsável pela Operação Caritas, a organização criminosa instalada na Secretaria Municipal de Turismo realizava contratações de empresas por inexigibilidade de licitações, as quais, após receberem os valores pagos pela prefeitura em contratos, repassavam parte da quantia a agentes e servidores públicos da própria pasta. A investigação policial apurou, inclusive, pagamentos diversos feitos diretamente na conta dos investigados ou aquisição de bens, como imóvel e veículo, por parte dos empresários contratados pelo Executivo para a realização de eventos na cidade. A Polícia Civil verificou, ainda, esquema ilegal em que empresários da região patrocinavam eventos e reformas em prédios públicos de Canela, realizando os pagamentos, no entanto, em contas particulares ou das empresas de que sócios ocultos os servidores, de modo a dificultar a fiscalização e controle sobre dos valores.
Entre os 29 endereços em que foram feitas buscas, 26 são em Canela, incluindo-se prédios públicos, como a prefeitura e a secretaria, além de empresas e residências na cidade. Também foram cumpridas buscas em Porto Alegre, Marau e Tijucas (SC). Foram apreendidos, ainda, cinco veículos avaliados, ao todo, em cerca de R$ 500 mil. Dois imóveis localizados em Canela foram sequestrados pela Polícia Civil, tornando-se indisponíveis – um apartamento avaliado em mais de R$ 1 milhão, no centro da cidade e uma casa, avaliada no mesmo valor, que, segundo investigação, pertencem a um ex-agente público anteriormente lotado na Secretaria de Turismo, tendo sido adquirido ilicitamente. Ainda foram bloqueados valores em 10 contas bancárias e feitas mais de uma centena de quebras de sigilo. O montante ainda não foi contabilizado. No total, 22 pessoas (físicas e jurídicas) foram proibidas de contratar com o poder público canelense pelo período de um ano, sendo todas elas ligadas ao ramo de turismo e eventos.
— Conseguimos demonstrar que havia uma associação criminosa agindo na Secretaria de Turismo de Canela. O que esses indivíduos faziam? Se associaram com servidores públicos para conseguir burlar as licitações de forma que, ou superfaturavam os serviços que eram prestados ou se quer prestavam esses serviços, sendo que os valores que eram pagos pelo serviço público para essas empresas e chegavam nas contas bancárias dos empresários e voltavam em grande parte para os servidores públicos envolvidos nesse esquema de propinas e corrupção. Algumas vezes, esse dinheiro que era direcionado ao pagamento dos serviços também eram carregados para contas e para pagar despesas pessoais dessas pessoas que trabalhavam na secretaria — explicou Franco.
A investigação, iniciada em novembro do ano passado, apura a participação de 48 pessoas investigadas, sendo 27 físicas e 21 jurídicas, entre servidores públicos (CCs), empresas e empresários do ramo de turismo e eventos como a Festa Colonial, o evento de Natal, totalizando mais de 20 episódios. Foram apuradas possíveis irregularidades em pagamentos e contratos que somam cerca de R$ 2,8 milhões.
— São 48 investigados e que se aproveitavam da arrecadação de uma cidade turística, como é Canela, que vive do turismo, para se locupletar, ou seja, enriquecer ilicitamente através de contratações fraudulentas com empresas que trabalham em eventos turísticos — completou Franco.
A Operação deve seguir com a análise dos materiais apreendidos. Segundo o delegado regional, até o momento não há indícios de envolvimento do prefeito de Canela, Cosntantino Orsolin (MDB). Por meio de nota, a assessoria de imprensa da prefeitura disse que a “administração municipal vem colaborando com as etapas da Operação Caritas, sempre que solicitada pela Justiça e órgãos de segurança.” Diz ainda que “a ação deflagrada nesta manhã segue em andamento e o Executivo, tão logo intimado dos atos decorrentes, procederá na adoção das medidas necessárias e cabíveis no caso.”
— Começamos investigando o hospital de Canela, depois passamos para Secretaria do Meio Ambiente, Secretaria de Obras e, agora, deparamos, depois de 11 meses de trabalho, com um esquema muito amplo de corrupção na Secretaria de Turismo, órgão de maior arrecadação da cidade. Com a apreensão desses documentos pode ser que tenha uma nova etapa da Operação Caritas, não descartamos essa possibilidade. Também não descartamos ter novas prisões devido ao avanço nas investigações — projetou Franco.
Conforme o delegado regional, esta é a maior operação de combate à corrupção já feita no interior do Estado. São 10 fases em quase um ano e meio.
— Quase todos os setores da prefeitura estão sendo avaliados porque estavam sendo cercados por uma organização criminosa. Esses recursos que deveriam chegar na Assistência Social, na Saúde e na Educação do município estavam chegando, na verdade, aos bolsos de indivíduos, de corruptos que faziam mal uso do dinheiro público associados por empresários do ramo de eventos — conclui Franco.
Colonial, pagamento direto e prejuízo dos músicos
Um fato recente aconteceu na Festa Colonial 2022. Segundo a investigação, houve serviços contratados e não prestados, como a necessidade de manter ligado, durante todo o evento, um gerador de energia elétrica movido a diesel. Como o aparelho não foi utilizado como previsto no contrato, sendo utilizada energia paga pela Prefeitura Municipal, houve uma economia de cerca de R$ 60 mil por parte da empresa vencedora do pregão eletrônico.
O inquérito revela que o fato não foi percebido pelo fiscal do contrato, o diretor de cultura de Canela, Carlos Eduardo dos Santos, o Dudu, classificado como homem de confiança de Sanches. Conforme indicado no inquérito, Santos possui relação com o proprietário da empresa que não prestou os serviços, trabalharam juntos e teriam sido sócios informais.
Para a Polícia Civil, a prática criminosa é tão escancarada que chega ao ponto de haver transferência por Pix feita por Dudu para Angelo, de modo a que o primeiro paga parcela do veículo do segundo.
Além da suspeita de favorecimentos pessoais na Festa Colonial 2022, diversos profissionais como músicos, socorristas, entre outros, ficaram sem receber o pagamento relativo ao evento.
Superfaturamento na produção de áudios para show de luzes da Catedral
Segundo a investigação, o jornalista residente em Gramado, Carlos Henrique Marquez Nunes Maluf De Souza, também conhecido como Caique Marquez, durante o período em que Sanches esteve à frente do Turismo canelense, foi contratado para o serviço de locução para apresentações do espetáculo de luzes da Catedral de Pedras.
O serviço custou R$ 60 mil para os cofres públicos, mas, conforme revela a investigação, custaria entre R$ 4 mil e R$ 6 mil em valores de mercado. A quebra de sigilos e trabalho de inteligência da Civil mostrou que o jornalista contratado, no mesmo dia que recebeu o valor pago pela Prefeitura, faz a transferência de R$ 50 mil para a conta de Angelo Sanches.
Sala na Estação Férrea e superfaturamento do contrato de aluguel da sede do Turismo
Outro fato apontado pela investigação e levado em conta pelo Judiciário diz respeito à uma sala junto à antiga estação férrea de Canela, concedida à iniciativa privada e hoje renomeada como Estação Campos de Canella. Segundo o inquérito policial, dentre as contrapartidas que a empresa deveria entregar ao poder público está uma sala, projetada e executada para ser sede da Secretaria de Turismo e Cultura. No entanto, por suposta falta de fiscalização – e possível esquema de beneficiamento ilegal da empresa -, a sala acabou pouco ou nada utilizada pelo então secretário Angelo Sanches, passando logo após a ser vendida, por valor abaixo do mercado, para a Incorporadora Novalternativa, que foi a empresa vencedora da concessão do prédio da Estação.
Por outro lado, existem indícios de superfaturamento no contrato de locação do prédio em que está localizada a Secretaria Municipal do Turismo. O contrato é firmado com a Mitra da Diocese de Novo Hamburgo, proprietária do imóvel. A Mitra é proprietária do imóvel em que está instalada uma pousada, de propriedade de Sanches, sua esposa e de Camila Mendes Pavanatti, ex-secretária adjunta de Turismo e uma das investigadas na Operação.
Este é um fato até certo ponto “notório” na cidade, segundo a investigação, a qual constata que para esta pousada é que os investigados, como gestores do turismo, encaminhavam clientes, cujas hospedagens eram pagas pela Prefeitura Municipal de Canela. As investigações policiais dão conta de que, em verdade, o real proprietário da pousada, registrada em nome de Camila Pavanatti, são Angelo Sanches e sua esposa.
Diárias do ex-secretário e hospedagens paga pela Prefeitura depois que servidores foram desligados
Segundo a investigação, o ex-secretário Angelo Sanches e a ex-secretária adjunta Camila Pavanatti mantêm relacionamento de extrema proximidade, muito além do profissional e para além, também, do âmbito da Secretaria Municipal de Canela. Nesta condição, realizaram muitas viagens para fora de Canela, supostamente a serviço, com custeio pelo erário (diárias e outras formas de ressarcimento a servidores). Mesmo após afastado judicialmente do cargo de Secretário de Turismo, Sanches, segundo apurado pela investigação policial, seguiu agindo em nome do Município de Canela e se beneficiando de valores do erário municipal, já que teria viajado com Camila para as cidades de Foz do Iguaçu e Buenos Aires, na Argentina, sobretudo com participação dos investigados em encontro da Associação Nacional dos Secretários e Dirigentes Municipais de Turismo (ANSEDITUR), entidade da qual, mesmo afastado do cargo canelense, Sanches seguiu exercendo e representando o setor turístico da cidade mesmo com afastamento judicial, inclusive dando entrevistas públicas como se ainda fosse secretário, em descumprimento de determinação judicial.
A investigação policial teve acesso a informações prestadas por hotel dando conta de que Sanches e Camila permaneciam em quarto pago pelo Município de Canela. Ainda, segundo o Portal de Transparência de Canela, Angelo teria recebido, ao todo, cerca de R$ 220mil em diárias.
Favorecimentos, trocas de favores e empresas laranjas
Camila Pavanatti é esposa de um ex-diretor de um parque turístico, amplamente investigado pela Polícia Civil de Canela nos autos principais da Operação Caritas, cujos proprietários estão sediados em Itajaí/SC, cidade para a qual Pavanatti e Sanches viajavam com frequência.
Neste empreendimento turístico, Sanches e sua esposa foram proprietários de negócios, responsável pela gestão de todas as lojas existentes dentro do parque, ou seja, enquanto Secretário de Turismo, administrava as lojas de um dos maiores parques turísticos da cidade.
O inquérito apurou também que os investigados utilizavam o nome dos filhos menores de idade para a prática de diversos crimes, possuindo em seus nomes alguns imóveis e empresas, movimentando elevados volumes financeiros, tanto que, somente no mês de agosto de 2021, uma destas empresas recebeu R$ 233mil. Em buscas realizadas pela Polícia Civil junto ao endereço dos investigados foram apreendidos, além de valores em dinheiro, documentos e anotações de próprio punho relativos à administração das lojas do parque.
Para a Polícia Civil, a relação de Ângelo e sua esposa com o Parque é baseada na troca de favores e favorecimentos ilícitos.
A decoração do Dia dos Namorados que foi feita pela Prefeitura e paga a uma empresa
A investigação revelou que a construção de um portal em forma de coração, instalado na praça central da cidade na época do Dia dos Namorados, no inverno de 2021 como atrativo romântico, foi paga, mas não foi realizada pela empresa.
Para a contratação da obra foi escolhida empresa, sem licitação, a qual sequer prestou o serviço, embora a obra tenha efetivamente sido levantada, mas pela própria Secretaria de Obras de Canela, com o uso de servidores e materiais de construção da Pasta. O contrato com a empresa, no entanto, foi pago pela Prefeitura Municipal, mas os valores, assim que recebidos pela empresa, foram repassados aos investigados Angelo Sanches e Luiz Claudio da Silva, o “Ratinho”, então Secretário de Obras de Canela.
Segundo o inquérito, ficou claro que forjaram a contratação de uma empresa para retirar dos cofres públicos valores em benefício próprio. A Polícia Civil captou diálogo entre os dois então secretários, combinando o esquema.
Azul, Laranja e patrocínios diretos na conta
Outro investigado, e que foi alvo de mandados judicias cumpridos nesta quarta (14), é Alexandre Rangel, produtor de eventos que realizou diversos festivais na cidade, com recursos ou parceria com a Secretaria de Turismo. Rangel e Angelo, segundo o inquérito policial, possuem estreita relação, atuando em conjunto para a realização de suas ações ilegais, sobretudo em grandes espetáculos e shows na cidade.
A investigação deparou-se com uma forma de contratação e pagamentos incomuns entre a Prefeitura Municipal, a Secretaria de Turismo e as empresas patrocinadoras, com os valores seriam pagos diretamente na conta corrente da empresa de Rangel. Ou seja, empresas da cidade que patrocinaram um festival gastronômico efetuaram pagamentos para uma empresa e não para os cofres públicos da Prefeitura Municipal, de modo a inexistir ou inviabilizar a fiscalização e facilitar o desvio.
Reforma do Teatrão, Luz e Sonho…
Segundo o inquérito, a prática de induzir empresários a patrocinarem eventos ou obras públicas da Secretaria de Turismo, com o pagamento direto em contas de particulares e não da Prefeitura Municipal, mostrou-se um padrão ilegal estabelecido e mantido pelo grupo investigado, que fez circular centenas de milhares de reais, para fins supostamente públicos, apenas entre particulares, sem controle e fiscalização dos gastos e valores.
Uma das empresas que pertencia a Angelo Sanches, Camila Pavanatti e Elias da Rosa é um exemplo, com seus assuntos tratados por grupo de WhatsApp, inclusive sobre o recebimento de patrocínio direto na conta da empresa dos três investigados, o que facilitaria ainda mais o desvio de valores para fins exclusivamente privados. Há mensagens comprovando o esquema criminoso.
Um destes contratos, para a Catedral de Luzes, teve patrocínio de R$ 40 mil, com pagamentos mensais sucessivos, vencendo a última parcela em 20 de setembro de 2022, demonstrando que, mesmo afastado, Sanches seguiu interferindo na ordem pública canelense.
Outro exemplo foi a reforma do Teatrão, também com pagamento direto a uma das empresas privadas do grupo, não possibilitando fiscalização dos serviços e valores.
Rindo à toa
A Polícia Civil de Canela também recebeu informações anônimas e indica possível superfaturamento na contratação de show nacional da Festa Junina de 2018, com valor pago pela Prefeitura Municipal de R$ 95 mil. A mesma banda teria realizado, segundo pesquisas, outros shows em cidades e datas próximas à apresentação em Canela, contudo ao valor de R$ 20 mil a R$ 30 mil mais barato. O contrato foi firmado por inexigibilidade de licitação.
Participaram da ação policial desta manhã cerca de 90 policiais civis das delegacias de Canela, Gramado, São Francisco de Paula, Rolante, Taquara, Três Coroas, Igrejinha, Riozinho, Caxias do Sul, Nova Petrópolis, Marau, além de Tijucas (SC). A investigação e a ação policiai contou, também, com apoio da Divisão de Inteligência Financeira, do Gabinete de Inteligência e Estratégia da Chefia da Polícia Civil.